20100307

NARCISO INC. NO REINO BABILÔNICO DOS QUE SE DESFAZEM DE SEUS DIAS


pensava que se cavalos tivessem pés a indústria de calçados seria uma boa opção de investimento a médio prazo e agradecia sempre por terem bocas limitadas pelo tamanho e não poderem engolir as pessoas quando arrastavam carroças pelas ruas; nunca foi um grande entusiasta do pensar livremente, quando muito fundia a idéia de uma frase de um poeta obscuro com a sugestão de músicas de um de seus conhecidos garimpeiros; mas estava feliz por sua condição de errante, como acreditava que era. Estavam todos lá... esperando sua chegada trajados de grande gala com luvas brancas inclusive e com embandeiramento em todos os mastros; nos momentos mais importantes de sua vida pensava sempre em fatos alheios às circunstâncias e nesse não foi diferente...
-ao menos nunca senti a dor de parir de um cavalo... falou baixo para o ar que respirava.
já havia pago o barqueiro com as duas moedinhas de níquel que achou em um dos bolsos da calça e não disse uma palavra sequer toda a viagem apenas despediu-se desejando uma boa semana de serviço e que mandasse lembranças para as crianças...
nunca achou realmente que conseguiria muita coisa da vida e o suficiente que tinha estava de bom tamanho mesmo quando todos que conhecia estavam tomando banho em cascatas de pinot noir, mas não suportou ter engolido aquela mosca quando abriu a boca para bocejar; todo seu conformismo ruiu de uma vez...
- agora você foi longe demais! gritou Olavo para o velho destino, que escreve a vida dos acomodados e incapacitados em sua cadeira de vime.
- você testou o limite de minha dignidade pela última vez seu velho desgraçado! gritou novamente um Olavo de olhos injetados, porém, sem nenhuma resposta.
- espero que quem escreva a sua vida também esteja de ressaca, seu velho bêbado!
não sabia Olavo que aquela mosca estava agora dentro de sua boca porque os cavalos em um momento especial de suas vidas decidem empacar ou dar coices fatais.
Colocou a mochila de lona nas costas com a prova de suas poucas lembranças e seguiu o caminho para a festa que não se cancela onde estavam seus amigos e parentes e os que conheceu nas inúmeras viagens de ônibus coletivo para o trabalho; Olavo olhava para trás e via que a estrada se encurtava atrás de seus pés e ninguém mais poderia segui-lo e se sentiu seguro mais uma vez, como se sentiu toda a sua vida e como esperava se sentir no futuro...
- se me derem outra oportunidade vou fazer diferente; pintar todos os cantinhos escondidos...
Olavo voltava todos os dias do trabalho caminhando para chegar o mais tarde possível e não se incomodar com as perguntas dos vizinhos sobre a produção de sandálias de madeira.
- tome as rédeas, Olavo! falou de sua cadeira o velho destino com a cara inchada e gosto adstringente na boca.
- o inferno deve ser adornado por moscas de todas as cores! disse Olavo para a calçada do quarteirão que faltava para sua casa, enquanto espantava uma varejeira que zumbia em seu ouvido bom.

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