20100318

NARCISO INC. & Eleanor Put Your Boots On

ao telefone discutia os termos de venda da casa que herdou de seus pais com o representante da construtora que pretendia construir condomínios de classe média, mas também sua postura estava mais propensa a que permanecesse o horto que seu avô construiu e seus pais preservaram, afinal nunca se preocupou com dinheiro e adquirir coisas, e aquela conversa era apenas por ser gentil e não abrir mão de que tudo estivesse muito bem esclarecido.
da sacada da casa em que morava se divertia vendo os jeitos e afetações das pessoas que circulavam pelo calçadão da praia e desse fetiche emprestava os motivos para suas crônicas postadas no jornal local todas as quartas-feiras
olhou para um canto da praia onde uma turma de meninos e meninas se divertiam jogando tênis, e ao observar melhor percebeu que não era uma bola que voava de um lado a outro da quadra, pois no chão estavam algumas bolas amarelas como canários belgas em posição fetal... era uma pomba acinzentada que ia de um canto a outro como um pedinte que se deslumbra com o movimento de pedestres...
da sacada seu modo particular de ver as coisas mandou uma informação para seu coração, que bombeou uma quantidade de sangue suficiente para despertar sua ira e tomar uma atitude conforme seus preceitos e preconceitos.
olhou nos olhos de seu pai morto há um ano e quatro meses, que o observava do sofá da sala e olhou no relógio da parede da cozinha e lembrou que não sabia ver as horas, mas afinal, tinha coisas bem mais importantes para aprender nessa vida do que ver as horas em um relógio de ponteiros... pegou suas muletas canadenses e foi para tomar as escadas e uma atitude em relação aos animais torturados do planeta.
quando de sua chegada à rua viu que já era alta noite e mesmo assim foi ao canto da praia onde estavam ainda os jogadores de pomba em duplas; eram todos traficantes de drogas que matam muito rápido e não sabia se os tratava como traficantes barra pesada ou como adolescentes com seu vocabulário indecifrável... optou por ser ele mesmo confiando em sua agilidade com muletas e krav magá.
- ae!!! vamos parar com essa porra!!!
- o que você disse ae tio?
- vocês podem deixar a porra da pomba em paz, agora! e mais um discurso sobre a maldição do especismo e as pragas que as gaivotas e pombas lançam em seus desafetos que durou aproximadamente 15 minutos pois foi bastante sintético.
- cara, nós até tentamos mas a pomba não quer ir embora!
- se vocês a ignorarem e não rebaterem, ela vai embora!
- mas o que foi isso em sua perna?
- estava jogando tênis... mas com bolas amarelas de pelúcia
- um amigo rompeu o tendão assim também, mas jogando com um pinscher!
- e como ele rebatia?
- com as duas mãos!
quando voltou para casa com a situação resolvida, seu pai que esperava ainda no sofá olhou em seus olhos como nunca havia olhado antes.
- você nunca vai mudar, pois não?
lembrou do dia em que foi com seu pai arrancar os matos do quintal da tia Titi e que já conhecia aquele olhar.

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