Untitled NARCISO INC. Project

todos que vieram para o funeral lembravam que seus olhos sempre pareciam que olhavam com muito orgulho de enxergar, não havia mistério algum em seu olhar apenas a necessidade de escancarar aqueles olhos como se quisesse ver o mundo todo de uma só vez ao mesmo tempo que outros também mortais esperam apenas por um afago e uma palavra de esperança.

seu pai, que desapareceu assim que soube que havia gozado dentro e havia um espermatozóide mais campeão que os outros que não conseguiram e perderam a corrida, era seu grande herói e não importava que sua mãe e seus avós ainda comecem o pão que o diabo amassou e deixou queimar enquanto assistia o último capítulo da novela para sustentar sua fome de holofotes pois foi de seu pai que herdou seu maior tesouro.

enquanto alguns vivos tentavam escrever ou cantar coisas que as outras pessoas gostariam de dizer mas não conseguiam que passasse do pensamento nos anos em que a multiplicação celular afeta diretamente o cérebro e enquanto outras coisas vivas estavam tentando entender algo que Baudelaire e Nelson Rodrigues disseram, Marlene só pensava que não poderia haver nada mais perfeito que seus olhos e nisso confiou seu futuro... bastava abrir bem os olhos azuis que tudo se realizaria conforme o plano que imaginou para si enquanto abria mais os olhos para todos verem seus olhos azuis que herdou de seu pai.

nem mesmo Charlotte com toda a arrogância de suas teses sobre o futuro da espécie e os quadrinhos sobre os cinco dos sete pecados capitais que produzia como uma pequena obra de arte singular entre tantas merdas, se valia de seu olho esquerdo verde e o direito cinza que é bem mais interessante e bipolar e doentio que apenas olhos.

- putaqueopariu! ela achou que a porra da morte não a levaria quando visse seus olhos... só pode ser isso!

- não podia ser tão absurdo, todos sabem que a morte nunca se impressiona nem tem freios morais.

- mas não esqueça daqueles narradores de programação da televisão, que dizem "assista hoje mesmo em dvd e blue ray" como se estivessem dizendo " compra logo esta merda seu filhodaputa que eu dependo da comissão", eles sim acham que aquele sotaque afetado pode garantir a imortalidade.

Marlene ficou cega cinco anos de morrer quando o copo da cafeteira explodiu vazando seus dois olhos e deixando seu rosto e pescoço cheios de pequenos fragmentos de vidro que quase todo mundo confundia com espinhas, exceto por ela mesmo que sentia a dor do vidro sendo expulso; diziam que Marlene sempre foi uma deficiente visual porque nunca leu Dylan Thomas nem nunca foi a uma exposição de Chan2lier @@@@ na saatchi gallery mas se isso é importante somos muitos cegos e surdos e não deve ser o caso aqui por que Marlene ganhou de seu pai que reapareceu depois de vinte e dois anos e quatro dia um lindo par de olhos verdes de vidro alemães da F. Ad. Müller Söhne.

Marlene nunca soube que tinha a bunda mais perfeita entre as mulheres de sua cidade e da cidade vizinha, nem grande nem pequena e quando abaixava para catar algo que derrubou nunca aparecia o cofrinho apenas o elástico da calcinha de algodão quando ela usava; nunca soube também que seu pai comprou olhos verdes e que o seu era castanho claro com uma mancha cor de mel e quem tinha olhos azuis era o pedreiro que construiu a churrasqueira quando sua mãe casou, mas como a mulher de seu tio tinha olhos azuis e essas coisas também se herda de tios não havia porque não agir como golfinhos.

- um pouco de respeito seria muito conveniente aqui...

- ela está morta... não pode mais se machucar.